quarta-feira, 9 de março de 2011

CARTA DO CANADÁ Só agora se começa...

"Nos bairros onde vivem os portugueses, que são mais de 200 mil na área da Grande Toronto (sendo 600 mil em todo o país), o Mercado da Saudade é um facto. É ali que a gente lusa se vai abastecer de tudo quanto lhe enche a mesa e a alma..."
Vai indo

Muito da diplomacia económica avalia-se nos supermercados

Fernanda Leitão

País enorme, o segundo maior depois da China, onde vivem milhões de pessoas oriundas de 160 países, o Canadá é uma terra de intenso e próspero comércio. Que, como se calcula, tem de ser criativo e de qualidade, servido por profissionais simpáticos, porque a concorrência é feroz. Fazer compras é, para o canadiano, um desporto agradável.

Vou hoje dizer-vos do chamado comércio étnico, aquele que é praticado pelas várias comunidades imigrantes, sobretudo na área da restauração e da indústria alimentar. Os imigrantes têm tendência a viverem perto uns dos outros e assim se foram criando na cidade bairros de portugueses, sul americanos, italianos, gregos, chineses, indianos, de gente do leste europeu e dos balcãs, do Médio Oriente, de filipinos e por ai fora. Bairros com as suas lojas, mercados, restaurantes, cafés, padarias, cinemas e escolas, igrejas e templos. Em todos eles moram, por gosto ou porque têm ali perto o seu trabalho, pessoas doutras origens. Assim sendo, uma pessoa pode, em cada dia que passa, provar a cozinha dos mais variados países. E, às vezes, que cozinha! Este é um dos encantos de Toronto que todos os anos, no verão, atrai à cidade milhões de turistas dos Estados Unidos que vêm assistir ao esplêndido cortejo das Caraíbas e à garantida rebalderia da Parada Gay. O que faz as delícias do município e do comércio, porque o dinheiro corre em regato caudaloso.

Nos bairros onde vivem os portugueses, que são mais de 200 mil na área da Grande Toronto (sendo 600 mil em todo o país), o Mercado da Saudade é um facto. É ali que a gente lusa se vai abastecer de tudo quanto lhe enche a mesa e a alma: desde o azeite até ao arroz carolino, passando pelas carnes fumadas e o peixe, a doçaria e a couve portuguesa para o bacalhau do Natal, e até, na entrada do verão, os manjericos. Há de tudo e com fartura. É um negócio próspero. Os vinhos, esses só os podem comprar nas lojas do estado, em determinado horário, porque anda vigora a Lei Seca do tempo do Al Capone. E há, por vezes, mistérios. Um deles foi o Cerelac nunca mais ter aparecido e nós não sabermos porquê.

Pôr produtos portugueses à venda nas grandes superfícies canadianas, isso é que tem sido mais complicado. Os italianos e os gregos vendem grandes carregamentos de azeite, queijos e castanhas, enquanto nós não o fazemos. O mesmo se passa com grandes marcas de vinhos portugueses.

Enorme foi a minha surpresa, comovida surpresa, quando há anos encontrei, num supercado canadiano, a pera rocha. Passei uma semana regalada a matar saudades dessas peras, mas depois nunca mais as vi. Até já me lembrei de pedir à minha (virtual) amiga Sandra Geada, que no Oeste trabalha na expansão desse fruto, que arranje maneira de umas toneladas virem para Toronto anualmente. Calhando, é preciso meter cunha, à portuguesa. Recentemente, num dos maiores supermercados canadianos, passaram a ser vendidos a água do Luso, a água das Pedras, os papo-secos e o pão de milho. É pouco, mas é um começo.

Não sei se este meio abandono se deve apenas ao facto de Portugal estar completamente focado na União Europeia, se as razões serão outras. Enfim, a venda de produtos portugueses por estas paragens vai indo.

Devagar, mas vai indo.

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