"O consulado de Portugal em Toronto tratou da burocracia usual em casos destes, mas logo fez saber que não dispunha de verba para prestar qualquer apoio. A Secretaria de Estado das Comunidades também lavou as mãos como Pilatos. Abandonado em vida por ser ilegal, o Tiago viu-se abandonado depois de morrer pelas ditas autoridades da Pátria. Mas não o foi pela sua terra, por Tomar, que se mobilizou em peso para pagar o seu regresso a casa. O Tiago repousa agora em terra portuguesa, na sua cidade, porque o povo mostrou de forma clara que sabe actuar quando é preciso."
Carta de navegação
(em memória do Tiago Lopes Ferreira)
Fernnanda Leitão *
Não sei de nada mais triste do que morrer sozinho longe da Pátria. Não sei de nada mais trágico do que pais perderem um filho. E foi isto que aconteceu em Toronto neste Setembro que vai soalheiro e macio: o Tiago apareceu morto, na casa onde estava instalado. Estava morto há dois dias e ninguém deu pela sua falta. A autópsia revelou um choque diabético, ou mais claramente, insuficiência de insulina. Não teve dinheiro para comprar o medicamento obrigatório na sua condição física. Tinha sido despedido do café onde, durante a noite, trabalhava para um patrão daqueles que têm um cifrão em cada olho, com abundantes provas dadas. Tinha chegado ao Canadá em Abril deste ano de 2011, como turista, a tentar refazer a sua vida, a exemplo de milhares de jovens como ele, a quem Portugal não dá senão desemprego e uma total falta de confiança nos que têm (des)governado a ponto de serem já estrangeiros quem manda em terra lusa. Jovens que têm rumado massivamente em direção ao Canadá, Estados Unidos da América, Japão, Austrália, Nova Zelândia. Jovens com quem o país gastou fortunas para os educar e instruir, agora em vias de enriquecerem os países estrangeiros graças à miopia política que está a desgraçar Portugal e a União Europeia.
O grito de dor soltado pelos pais e irmã, perdidos de sofrimento e de não saberem como lidar com uma situação destas, chegou-me num e-mail mandado por uma grande, dedicada e incansável amiga da família, a Alice Marques. O consulado de Portugal em Toronto tratou da burocracia usual em casos destes, mas logo fez saber que não dispunha de verba para prestar qualquer apoio. A Secretaria de Estado das Comunidades também lavou as mãos como Pilatos.
Abandonado em vida por ser ilegal, o Tiago viu-se abandonado depois de morrer pelas ditas autoridades da Pátria. Mas não o foi pela sua terra, por Tomar, que se mobilizou em peso para pagar o seu regresso a casa. O Tiago repousa agora em terra portuguesa, na sua cidade, porque o povo mostrou de forma clara que sabe actuar quando é preciso. E que é ele quem, em Portugal, tem vergonha na cara.
Os jornalistas e os médicos são em geral tidos por durões e cínicos, habituados que estão a enfrentar os sofrimentos do mundo. Mas é só aparência. Por isso venho honrar a memória do meu compatriota Tiago, que infelizmente não conheci, deixando esta carta de navegar aos jovens tentados a fazer a sua vida no estrangeiro.
Ser ilegal num país é ser extremamente vulnerável. Pode ser denunciado por um qualquer filho da mãe. Pode ser explorado por empresários sem escrúpulos nem coração, dos que não se ensaiam nada para lhe pagar menos do que a lei do país exige. Sujeita-se aos trabalhos mais duros e servis. Não tem direito a assistência médica e medicamentosa. É um clandestino até que apareça uma alma caridosa que lhe faça um contrato de trabalho e assim lhe proporcione requerer o estatuto de imigranre residente. Até chegar aí, sofre muito. E sem se poder queixar. E sem saber se são de facto amigos os parceiros que encontra.
O Canadá é um país bom,generoso, civilizado, mas as suas leis de Imigração são severas e a fiscalização intensa. É de grande rigor com as suas fronteiras, cioso da sua soberania, o que provavelmente causará estranheza a quem cresceu já no espaço Schengen. O Canadá tem um Acordo de Comércio Livre com os Estados Unidos e o México,mas nenhum destes países escancarou as fronteiras. Manda cada um na sua casa. Por isso é melhor que quem quer rumar a este país se dirija à Embaixada do Canadá para saber se estão a receber determinadas profissões. A ser assim, trata de tudo e entra legal no país. Mas se nada disto for possível e o jovem quer entrar como turista e tentar a sua sorte, então tenha a prudência de: saber junto da sua paróquia quais são as igrejas portuguesas da zona para onde vai, porque aí não é denunciado; procurar obter nomes e moradas de pessoas da sua terra que vivam no Canadá; fazer um seguro de saúde antes de embarcar; partir do salutar princípio que parceiros são parceiros,não são ainda amigos, e portanto não entre em confidências; se sofre de alguma doença em especial faça-o saber. E forre-se de paciência, de coragem, procurando incansavelmente quem possa fazer o contrato de trabalho. Boa sorte. Deus o acompanhe.
E agora, Tiago, menino da tua Mãe, dorme em paz na tua terra, na Pátria que alguns transformaram em madrasta.
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