quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Diplomacia económica. Escreve João Santos Lucas

" O perfil do diplomata comercial tende a determinar as suas preocupações no desempenho da sua actividade: o diplomata generalista, para quem as questões comerciais são sempre vistas no contexto político e diplomático mais geral, vai pretender satisfazer o seu MNE; o funcionário público da economia interpreta a sua função num quadro da economia internacional e vai procurar agradar ao seu Ministro da Economia; o gestor diplomata valoriza a natureza do negócio e vai procurar focalizar-se na satisfação do cliente. Existem no mundo em operação cerca de vinte mil diplomatas comerciais com um custo superior a quinhentos milhões de dólares americanos, com uma crescente concentração regional em função do potencial de mercado."



Diplomacia económica



João Santos Lucas *

O objectivo final inculcado na mente de cada funcionário do Foreign Office foi sempre económico. Uma afirmação que não parece deslocada da realidade no caso britânico mas difícil de ser aplicada a outros contextos nacionais.

A diplomacia económica não é, obviamente, uma prática recente. É, desde sempre, uma componente fundamental da política e da acção externa do Estado, envolvendo o presidente, o governo e, esporadicamente, até mesmo o parlamento. Um parlamento, quando toma medidas que têm impacto nas outras economias, alargando ou restringindo a investidores e exportadores de outros mercados externos o acesso ao mercado interno, intervém no domínio da diplomacia económica. Entidades privadas, como associações e ONGs, são muitas vezes mencionadas como actores não estatais da diplomacia económica.

A diplomacia económica apoia-se nos serviços de diversos ministérios com particular destaque para o dos Negócios Estrangeiros, das Finanças, da Economia e da Agricultura, mas onde a Ciência e o Ensino Superior ganham cada vez maior proeminência na acção externa dos Estados. A exportação e importação de serviços de saúde, de serviços de educação e de serviços culturais vai alargando o âmbito do conceito tal como as preocupações ambientais.

A diplomacia económica é uma prática que antecede a cunhagem do próprio conceito, a sua sistematização teórica e a formulação explícita da política económica externa.


Do domínio à influência

Na acção externa os interesses económicos estiveram sempre associados aos interesses políticos dos países, do período da expansão à consolidação dos impérios coloniais, da Guerra Fria à nova fase da Globalização.

O fim da Guerra Fria permitiu que as questões económicas, na acção externa dos Estados, passassem a primeiro plano e levou a que a diplomacia económica assumisse uma muito maior relevância. Porque as questões de segurança deixaram de ter a mesma prioridade ou passaram elas mesmas a assumir uma natureza de segurança económica. A lógica dos blocos pelo controle ideológico e político das nações foi substituída pela competição pela influência económica a nível global, regional e nacional.

Com o avanço decisivo da globalização os governos passaram a empenhar-se de forma decisiva na diplomacia económica. Porque os resultados económicos e o bem-estar do país passaram a estar em larga medida mais dependentes da interacção entre a economia nacional, as economias regionais e a economia mundial.

Portugal, que nos seus tempos áureos foi um agente da globalização, deixou perder as suas extraordinárias capacidades nos séculos seguintes. Passou ao lado da “belle époque” da globalização que Lorde Brian Griffiths menciona como tendo tido lugar vinte e cinco anos antes da I Grande Guerra. E avança, hoje, lenta e comedidamente por uma integração económica centrada nas Europas, nas Áfricas e nas Américas mas cuja influência tarda em chegar às Ásias.

A recente reunião do G20 ilustra bem a extraordinária importância da diplomacia económica na procura de solução para os problemas económicos mundiais desencadeados pelo comportamento das instituições financeiras dos EUA.

Sintomático é que países de pequena e média dimensão se interroguem se a diplomacia deveria concentrar os seus esforços na diplomacia comercial em ordem a sobreviver num mundo globalizado e altamente competitivo.


Conceito de diplomacia económica

A diplomacia respeita à gestão das relações entre Estados e entre Estados e outros actores. A diplomacia económica respeita à gestão das relações económicas entre Estados e entre Estados e outros actores.

A diplomacia económica exerce-se a múltiplos níveis: bilateral, regional (UE), plurilateral (OCDE), multilateral (OMC). Celebram-se acordos entre entidades do mesmo nível como entre níveis distintos. Acordos duma região com um país (ASEAN e China) evidenciam a complexidade alcançada pelas relações económicas internacionais.

A diplomacia económica é muitas vezes referida como o conjunto das políticas e medidas económicas, que integram incentivos positivos ou negativos (medidas punitivas), dirigidas a outros Estados, a cuja prática David Baldwin (Princeton University Press, 1988) chamou de “economic statecraft”. A Alemanha Ocidental usou durante muitos anos incentivos económicos para ganhar a confiança da União Soviética para permitir uma unificação pacífica, compensando-a nomeadamente das despesas da deslocação das suas tropas da Alemanha Oriental e do seu aquartelamento no país de origem. A diplomacia coerciva é um privilégio das economias poderosas.

Wu Jianmin, Presidente da China Foreign Affairs University, define a diplomacia económica como a procura de áreas mutuamente benéficas no desenvolvimento das relações económicas e diplomáticas com os países estrangeiros.

Um entendimento mais restritivo equaciona o conceito de diplomacia económica como diplomacia comercial, limitada à negociação de acordos de comércio a nível bilateral, regional ou multilateral.
Last but not the least é o uso do conceito de diplomacia comercial que respeita à promoção bilateral do comércio, do turismo e dos investimentos entre Estados, da ciência e da tecnologia e à promoção da imagem do país. Diplomacia comercial é entendida como actividade conduzida por representantes do Estado, com estatuto diplomático, tendo em vista a promoção de relações económicas entre o seu país e o país que o acolhe, encorajando o desenvolvimento de negócios, facilitando encontros, propiciando a formação de redes de empresários e de instituições.


“Knowledge based”

A diplomacia económica baseia-se em conhecimentos teóricos oriundos da literatura das relações internacionais (RI), da análise da política económica internacional (PEI), da análise sistémica, das abordagens centradas no Estado ou na sociedade, do papel das ideologias na formação das políticas nacionais, das teorias da tomada de decisão e da negociação.

A diplomacia económica não é um campo à míngua de reflexão. Existe uma vastíssima literatura com mais de oitenta anos onde não ficaria mal recordar William S. Culbertson que, em 1925, publicou International Economic Policies, A Survey of the Economics of Diplomacy (New York, D. Appleton and Company). O ex-presidente do Banco Mundial, Eugene Robert Black, escreveu largamente sobre o tema, de que se destaca “The Diplomacy of Economic Development (Harvard University Press, 1960). Joseph Brandes publicou em 1962 (Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, “Herbert Hoover and Economic Diplomacy 1921-1928”. Largas dezenas de livros e centenas de artigos científicos versam sobre esta matérias específicas do domínio da diplomacia económica, em número crescente a partir dos anos 80. Uma obra indispensável, editada por Nicholas Bayne e Stephen Woolcock, “The New Economic Diplomacy: Decision-Making and Negotiation in International Economic Relations”, publicada em 2003 (Aldershot, UK: Ashgate Publishing, 2003) deveria constituir leitura obrigatória para todos aqueles que intervêm na área ou se interessam pelo tema em apreço.

Ao longo de décadas têm sido objecto de análise o modo como os governos acomodam as tensões entre a política externa e a economia internacional, as pressões domésticas e internacionais por maior eficiência e transparência, a tensão entre os agentes governamentais e os actores privados económicos ou sociais, os instrumentos da diplomacia económica, as políticas e as medidas, as normas e os modelos, os processos e os resultados, o seu enquadramento no contexto dos MNEs.

Nunca, como nos dias de hoje, proliferaram os estudos, projectos de investigação, e reflexões sobre diplomacia económica. O Centre for International Governance Innovation (CIGI/Canadá) tem um programa plurianual a correr sobre diplomacia económica que analisa o fenómeno dos poderes emergentes do Brasil, Rússia. Índia, China, África do Sul, ASEAN e México (BRICSAM), o seu peso no sistema económico mundial e a sua crescente alavancagem diplomática.

Desde o final dos anos 90 que, para o Japão, uma interrogação fundamental no domínio da sua diplomacia regional respeita à forma de manter a sua influência na Ásia Oriental em paralelo com a crescente influência da China. As suas políticas de comércio e investimento externos são objecto de análise tendo em conta a necessidade de manter a sua supremacia tecnológica e diferenciação industrial. Outro enfoque analítico diz respeito à política de promoção de acordos de parceria económica e à estratégia de acordos de livre comércio. A sua estratégia de assistência e ajuda ao desenvolvimento também tem sido questionada internamente.


Rede da diplomacia económica

A expansão das redes de diplomacia económica é uma questão pertinente, existindo evidência empírica (Rose, 2005) que demonstra um crescimento médio de 6 a 10% nas trocas bilaterais por consulado activo.

A diplomacia comercial serve uma pluralidade de stakeholders: em particular, empresas, associações e governos.

Diversas são as soluções organizacionais e o enquadramento institucional das redes da diplomacia comercial: do comando e controle único, ou do Ministério dos Negócios Estrangeiros ou da Economia, ao comando partilhado, da não harmonização à coordenação, da responsabilidade máxima do chefe de missão pela função comercial à total independência.

Sejam conselheiros económicos ou comerciais os agentes da diplomacia económica têm de ter competências específicas. Conhecimento de marketing internacional e experiência de gestão empresarial, a nível sénior, são critérios de sucesso no recrutamento dos diplomatas comerciais. Recomendado é que após três ou quatro anos de actividade diplomática estes voltem ao sector privado a fim de não perderem contacto com a vida empresarial.

O perfil do diplomata comercial tende a determinar as suas preocupações no desempenho da sua actividade: o diplomata generalista, para quem as questões comerciais são sempre vistas no contexto político e diplomático mais geral, vai pretender satisfazer o seu MNE; o funcionário público da economia interpreta a sua função num quadro da economia internacional e vai procurar agradar ao seu Ministro da Economia; o gestor diplomata valoriza a natureza do negócio e vai procurar focalizar-se na satisfação do cliente.

Existem no mundo em operação cerca de vinte mil diplomatas comerciais com um custo superior a quinhentos milhões de dólares americanos, com uma crescente concentração regional em função do potencial de mercado.

É inegável que a diplomacia económica é um importantíssimo segmento da actividade diplomática.

* Gestor e conselheiro para os assuntos do Sudeste Asiático

1 comentário:

Unknown disse...

Parabéns por este artigo, é uma verdadeira aula, com tudo muito bem explicado!