quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Um «novo messias» sentado na Sala Oval. Escreve Sérgio Soares

"Apesar do apoio generalizado do mundo, o principal apoiante de Obama foram os oito anos de presidência de Bush. O já considerado "pior presidente dos EUA", recebeu um país das mãos de Bill Clinton com um superavite de 128 mil milhões de dólares e entrega-o com um défice de quase 500 mil milhões de dólares. Bush será recordado pelo seu rosto de completa indecisão no preciso instante em que um assessor o informou dos ataques do 11 de Setembro, pela criação da prisão de Guantánamo, do "Eixo do Mal" (Irão, Iraque, Coreia do Norte), do agravar da guerra no Iraque e da crise do Médio Oriente, pela crise financeira, e pela sua chocante incapacidade ou falta de vontade em ajudar imediatamente as vítimas do furacão Katrina que varreu a Louisiana."

Que mudanças trará ao Mundo,

a Presidência de Obama?


Sérgio Soares *

Como é possível que quase todo o Mundo tenha torcido por Barack Obama e acredite cegamente nas suas inúmeras promessas de "mudança", apesar de o futuro inquilino da Casa Branca não possuir, literalmente, nenhuma experiência de comando ou de liderança a nível de governo, na área militar, da diplomacia ou no mundo dos negócios?

Na verdade, a única coisa que Obama chefiou até hoje, temporariamente, foi a prestigiada revista de Direito Harvard Law Review na Universidade.

Então, que "encantamento" ou feitiço Obama lançou nestes últimos meses sobre a maioria dos "terrestres" para que estes o vejam como o futuro salvador do planeta?

Obama criou a ilusão dessa ideia de "mudança" que, como todas as ideias, poderá ou não germinar, quando disse num discurso de campanha, quase profeticamente, e referindo-se à sua ainda então putativa liderança, que "este é o tempo em que os Oceanos se acalmarão e o nosso planeta começará a sarar".

O General De Gaulle tinha aquilo que designou por "une certaine idée de la France", uma vaga ideia que produziu o gaulismo, moldou a França debilitada e derrotada, humilhada pelo regime de Petain, numa ideia de grande potência económica, militar e cultural que ainda perdura na vida política francesa. Hoje sabemos que, de facto, isso foi apenas mais uma ideia do que uma verdade incontestada em que também, durante meio século, meio mundo acreditou.

Obama tem um sonho ainda mais ambicioso do que teve De Gaulle. Parte dele é de sua inteira responsabilidade e a restante é de todos nós por querermos acreditar num "novo messias" sentado na Sala Oval da Casa Branca a distribuir Justiça e prosperidade internamente e em todos os recantos do Mundo.

Este messianismo de Barack Obama surgiu inicialmente estampado no seu livro "Dreams from my Father: A Story of Race and Inheritance" e depois no "Audacity of Hope".

Desde que saiu da Universidade de Harvard, quase exclusiva de estudantes brancos, passando pelos seus tempos de organizador comunitário no bairro negro de South Side Chicago, que Obama começou a trilhar, passo a passo, o caminho que o havia de levar ao seu sonho: ser Presidente dos Estados Unidos da América.

Ainda adolescente confidenciou à avó que queria ser Presidente dos EUA. Pouco depois de sair de Harvard disse num almoço de família ao cunhado: "Bem, eu quero ser político. Quem sabe talvez eu até possa vir a ser presidente dos Estados Unidos". O cunhado respondeu-lhe: "Claro, claro, tudo bem, vem cá que eu quero apresentar-te a minha tia Gracie - e não digas isso a ninguém!".

Este enorme "vendedor de sonhos" políticos e morais, apesar da sua ascendência africana, sempre viveu entre brancos, levou grandes "empurrões" favoráveis à sua carreira de brancos influentes, o que provocou a desconfiança dos líderes das comunidades negras, mas que tentou ultrapassar fazendo trabalho comunitário entre jovens negros desprotegidos.

Obama não é um Reverendo Jesse Jackson ou Al Sharpton que jogam sempre a cartada do racismo para conseguirem o que querem. Obama sempre conseguiu estabelecer pontes no Senado entre Democratas e Republicanos e esbater a questão racial nas suas relações sociais e políticas.

Internamente, a primeira grande batalha que Obama vai travar será provar que é equidistante e que não está a favorecer apenas os negros ou apenas os brancos. Ora é sabido que a sua grande ambição é adoptar legislação que favoreça em primeiro lugar os pobres, sem cuidados de saúde, os desempregados, e os que tem tido sistematicamente menos oportunidades.

Nesta categoria caem essencialmente os negros. Esse seu desejo sincero de distribuir mais equitativamente a riqueza vai esbarrar com a actual dura realidade da crise financeira internacional que danificou seriamente a maior economia do mundo.

Externamente, Obama vai ter de provar que é um homem determinado. Os serviços secretos já o advertiram que os terroristas da Al Qaeda lançarão um ataque contra interesses norte-americanos ou de um país amigo (Israel ou o Reino Unido) para o testarem.

Será que vai retirar, rapidamente como prometeu, as tropas norte-americanas do Iraque? Apesar das promessas de querer regressar ao multilateralismo, vai atacar o complexo industrial-nuclear do Irão? Vai atacar, como também prometeu, o Paquistão se este país continuar a dar guarida aos talibans afegãos?

Apesar do apoio generalizado do mundo, o principal apoiante de Barack Obama foram os oito anos de presidência de George W. Bush.

O já considerado "pior presidente dos EUA", recebeu um país das mãos de Bill Clinton com um superavite de 128 mil milhões de dólares e entrega-o com um défice de quase 500 mil milhões de dólares.

Bush será recordado pela imagem do seu rosto que reflectiu uma completa indecisão na televisão no preciso instante em que um assessor o informou dos ataques do 11 de Setembro, pela criação da prisão de Guantánamo, do "Eixo do Mal" (Irão, Iraque, Coreia do Norte), do agravar da guerra no Iraque e da crise do Médio Oriente, pela crise financeira, e pela sua chocante incapacidade ou falta de vontade em ajudar imediatamente as vítimas do furacão Katrina que varreu a Louisiana.

Pelos seus longos oito anos de tragédia política, seria preciso fazer quase o impossível ou autênticos milagres desastrosos para Barack Obama conseguir fazer uma presidência ainda pior do que esta que agora finalmente termina.

Afinal, uma simples ideia ainda parece ser capaz de poder mudar completamente o Mundo.

* Jornalista

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