terça-feira, 14 de junho de 2011

CARTA DA CANADÁ Camões, eis a questão

"O ensino e expansão da língua portuguesa, bem como a difusão da nossa vasta e rica cultura, têm sofrido tratos de polé, não apenas por legislação deficiente, mas sobretudo porque os agentes de ensino e cultura têm vindo a perder qualidade, piorando as coisas quando há diplomatas que sofrem de preparação inadequada e da mediocridade reinante."
Pátria grande e Pátria chica

Tudo quanto representar Portugal no estrangeiro deve ter estatura, dignidade e recato.
Só assim se alcança prestígio além fronteiras

Fernnanda Leitão *

Quem tem estudos e mundo sabe que vários países têm tido o cuidado de abrir centros culturais em vários continentes, com o objectivo de servirem de apoio à rede escolar da sua diáspora e de divulgarem a sua língua e cultura junto de estrangeiros. A Espanha tem o seu Instituto Cervantes, a Alemanha o seu Instituto Goethe, o Reino Unido o seu Instituto Britânico, a Itália o seu Instituto Italiano de Cultura, A França a sua Aliance Française, e por aí fora.

Em geral, esses centros culturais têm instalações próprias e condignas, contando com apreciáveis bibliotecas, espaços para teatro, concertos e palestras, galeria de arte e uma zona de convívio.

São sustentados pelo estado a que pertencem e têm a preocupação de projectar no estrangeiro uma imagem impecável do país. O que se compreende por se tratar de países que têm respeito por si próprios. Quase sempre são frequentados e vsitados por grande número de pessoas para quem os bens da cultura são importantes e, pela ordem natural das coisas, são o ponto de encontro dos que investem no saber e mesmo dos que, embora não propagandeando a chamada diplomacia económica, usam estas portas abertas para o mundo dos negócios de grande envergadura. Na verdade, esses centros tornam-se cosmoplitas e uma referência dos países que representam.

Portugal teve o seu Instituto de Alta Cultura, que levou a muitos países, com elevação, o seu património de conhecimento, mas deixou de o ter depois de 1974. Não seria perfeito e nem sequer acessível a largas camadas, mas a verdade é que não houve interesse em aproveitar a sua estrutura e adaptá-lo aos novos tempos. Optou-se pelo bota-abaixo que é sempre sinal de cegueira voluntária.

O ensino e expansão da língua portuguesa, bem como a difusão da nossa vasta e rica cultura, têm sofrido tratos de polé, não apenas por legislação deficiente, mas sobretudo porque os agentes de ensino e cultura têm vindo a perder qualidade, piorando as coisas quando há diplomatas que sofrem de preparação inadequada e da mediocridade reinante.

Lembro a propósito que um antigo secretário de estado das Comunidades num dos governos PSD, Cesário de seu nome, resolveu, numa das suas vindas ao Canadá, oferecer à sucapa uns livros e uma autorização para abrir uma escola a um clube da sua terra.

O resultado não foi brilhante: para irem aos sanitários ou simplesmente para entrarem e saírem do cubículo a que pomposamente se resolveu chamar sala de aulas, as crianças tinham de atravessar o fumo intenso dos cigarros e a barreira dos palavrões que envolviam os jogadores de cartas.

Aceitar sem uma crítica estas opções bárbaras, é negar a Portugal o estatuto de Pátria grande e obrigá-lo à prática de Pátria chica. Porque tudo quanto representar Portugal no estrangeiro deve ter estatura, dignidade e recato. Só assim se alcança prestígio além fronteiras.

É do conhecimento geral que o Instituto Camões levou um grande corte orçamental e tudo leva a crer que levará mais nos tempos a vir, de modo que dali não poderão vir dinheiros bastantes para sustentar centros de cultura. Pois se já não tem dinheiro para pagar aos seus funcionários, espalhados pelo mundo, a tempo e horas... Não sabemos se os vários centros culturais que abriram em anos passados estão instalados com dignidade ou se, por estreiteza de vistas, estão instalados “à Cesário” e a viverem de dinheiros deste ou daquele interessado em galarim. Se assim for, é melhor fechá-los. Ou até mesmo acabar com o Instituto Camões autónomo e integrá-lo num Ministério da Cultura forte e prestigiado. E deixar em boas mãos o ensino da língua portuguesa, isto é, nas mãos dos professores treinados para o efeito, com provas dadas de competência, honestidade e fidelidade à Pátria grande.

* Jornalista radicada em Toronto
 Ilustração: "Olga" de Paula Rego

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