"Não é mistério, portanto, que entre as fileiras da ABL estejam sempre membros da diplomacia brasileira, quase sempre aposentados. São eles que, geralmente, trazem para a academia o interesse pelos temas de política internacional.
O estado das Letras
e as letras do Estado
As Letras e o Estado ainda não conseguem questionar e problematizar seus consensos históricos
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As Letras e o Estado ainda não conseguem questionar e problematizar seus consensos históricos
Recensão no MUNDORAMA *
Foram lançados os dois últimos números digitais da Revista Brasileira da Academia Brasileira de Letras (ABL). Bem escrita e editada, definitivamente está entre as melhores revistas em circulação no país, considerando especialmente o seu caderno “Prosa”. A ABL surpreende e espanta os que pensam que a instituição é o bastião do conservadorismo. Na verdade, ela está na vanguarda no mundo virtual, com seus vetustos membros usando o Kindle e até promovendo um concurso de microcontos pelo Twitter.
Mas o que a revista tem a ver com a política externa brasileira ou com a política internacional em um sentido mais amplo?
Uma rápida leitura da biografia dos fundadores da Academia possibilitará a identificação de vários diplomatas ou comentadores da política internacional entre as fileiras dos imortais — Clóvis Beviláqua, Domício da Gama, Eduardo Prado, Graça Aranha, Joaquim Nabuco e Oliveira Lima. Em um país de iletrados e sem oportunidades, era natural que fosse na magistratura e na diplomacia que muitos escritores, frustrados ou realizados, aboscassem as patacas de maneira a garantir a sobrevivência. Há também a convergência de composição. No ofício da diplomacia, busca-se a mesma precisão das palavras, a boa trama da narrativa e a clareza da argumentação que perpassa vários gêneros e estilos literários (o grande historiador Gordon A. Craig não perdia a oportunidade para declamar o prazer que tinha em ler correspondências diplomáticas).
Não é mistério, portanto, que entre as fileiras da ABL estejam sempre membros da diplomacia brasileira, quase sempre aposentados. São eles que, geralmente, trazem para a academia o interesse pelos temas de política internacional.
Nos dois últimos números da revista temos exemplo claro disso. No número 61, há artigo sobre Euclides da Cunha e o Itamaraty, de Afonso Arinos Filho. No número seguinte está o discurso do atual chanceler, Celso Amorim, sobre “as duas vidas de Nabuco: o reformador e o diplomata“, seguido pelo discurso de Arinos intitulado “Itamaraty: a herança gloriosa“.
O mais admirável em todos os textos da revista sobre a história diplomática do Brasil são os temas e a abordagem: históricos, falam de desafios e de homens que viveram para transformar o país . O grande perigo ao falarmos particularmente do homem de estado e de seus desafios é cairmos na mais pura hagiografia e é, aqui, que, acredito, os textos publicados pela revista pecam. São geralmente narrativas “enlatadas”, que perpetuam especialmente a narrativa oficial do Itamaraty acerca da história diplomática do Brasil.
O caso do relacionamento de Joaquim Nabuco com o Barão do Rio Branco, assunto tratado nos textos de Amorim e Arinos, é bastante instrutivo. Temos, nos artigos, a convencional cortesia, veneração e louvação que conformam a apoteose oficial, quando sabemos pelo percuciente trabalho de Angela Alonso que o relacionamento entre as duas personalidades é bem mais problemático do que a narrativa protocolar.
Infelizmente, as Letras e o Estado ainda não conseguem questionar e problematizar seus consensos históricos.
*Divulgação Científica em Relações Internacionais
1 comentário:
Um exemplo a seguir, estudos sobre história diplomática e actores diplomáticos do pais.
E o Brasil tem uma das melhores diplomacias do mundo, de nivel aguentando qualquer comparação.
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